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terça-feira, junho 24, 2008

O ideal
Reparou que minhas sobrancelhas estavam desalinhadas. E também notou que eu não era o tipo de mulher que fazia as unhas. Mas nem assustou-se quando me viu de esmalte vermelho nos dedos dos pés ou das mãos. Achou aquilo tudo muito natural. Observou minha ansiedade em ser bonita além da conta, ou interessante excessivamente. O desejo infantil de querer agradá-lo. Sorriu, achou-me meio boba, bobinha, boboca. Reparou ainda a minha barriguinha saliente, não achou bonito. Mas também não achou feio. Logo arrumou uma maneira de agradar-me. Mordidinhas brincalhonas pelas laterias. Levou a sério minha teoria sobre o fascínio dos homens por mulheres inteligentes, não concordou. Mas ouviu cada palavra como se eu revelasse um segredo muito importante. Não moveu-se um centímetro quando saí batendo as portas, dizendo que não voltava. Esperou por lá mesmo. Sabia que eu retornaria, porque desde sempre observou que eu não costumava desistir das pessoas. Das coisas sim, mas não das pessoas. Soube logo que eu era meio insegura, depressiva, e que não havia descoberto a medida certa das coisas. Cansava-se decerto! As vezes, queria jogar-me pela janela. Mas deixava-me gritar, espernear, lamuriar. Mas quando fazia menção a machucar-me violentamente, chegava manso... E deslizava a ponta do dedo pelas minhas costas. Nunca me disse que era errado ser arredia assim, mesmo achando que fosse mesmo, mesmo sabendo que eu deveria aprender a me entregar sem tanta dor. E enquanto eu ia acalmando ele já previa que eu sentiria que ali era somente eu e ele. Não o irritava a minha previsibilidade. Repetia uma vez por semana o mesmo gesto. Trazia maças muito vermelhas para ele e dizia: lembrei-me de você. E completava, escolhi as maças mais doces da feira. Desde muito cedo também percebeu que eu era meio cinza e que desejava intensamente o lilás. Desejava de coração que eu descobrisse os encantos do lilás, mas gostava do meu cinza meio desbotado... Ele, tão amarelo, tão radiante. Nos meus dias de convulsão deixava-me sozinha, porque sabia que aquilo era uma dor muito grande que eu carregava. Mas achava que eu sabia lidar, havia descoberto que eu não sabia lidar mesmo era com a felicidade, o amor. Não achou-me covarde. Achou-me menina... E riu mais uma vez...Porque tendo eu 27, parecia ter 20... Um dia, disse-lhe todo tipo de putarias na cama. Não estranhou, não me cortou, nem ao menos brochou. Disse-me puta num tom mais suave. Era o delírio, o delírio que eu perseguia. As fantasias realizáveis. Eu era exatamente isso que sou agora, improvável que alguém se encantasse. Mas ele veio com a paciência de Jó, e não esperou muito de mim, e nem quis que eu fosse outra... Beijou-me assim, eu ainda verde, eu ainda louca, eu ainda triste! Singelo...
Ass: A imperfeita

(texto de 2006)

Um comentário:

La queue bleue disse...

Adoro este texto!! Adoro mesmo. Acho que tens 1 maneira de escrever muito sugestiva. :)